Já ouviu falar em mascar a seiva do angico ou fazer melado dela? Essa era uma tradição, entre tantas outras, da região do Vale do Peruaçu, que leva esse nome por conta do rio, afluente do Rio São Francisco – o Velho Chico. “Os mais velhos diziam que era bom pra saúde, para evitar doenças, inclusive gripe”, conta Leidson Nunes, turismólogo fundador da Roteiros do Velho Chico.

Conhecer uma região pelo olhar de quem sempre viveu ali é certamente especial. É claro que uma pessoa vinda de fora, que exerce sua profissão de guia de turismo com muito amor, por exemplo, também tem sua história pra contar. Mas quem sempre morou num lugar, fala de vivências especiais que só quem é dali poderia conhecer. Além disso, enxerga os prós e contras do desenvolvimento. Os benefícios com as mudanças da região e o que se perdeu com o tempo.

Primeira apresentação do projeto da Roteiros do Velho Chico em Itacarambi no ano de 2014.

É assim para quem pode viajar e conhecer o norte de Minas Gerais na companhia do Leidson.  Ele é graduado em Turismo (INCISOH), especialista em Administração e Manejo de Unidades de Conservação (UEMG). Trabalha com assuntos relacionados ao turismo desde 2006 e atuou diretamente com gestão de Unidades de Conservação de Minas Gerais.

Mas pra chegar aí, aos “títulos” de empreendedor e turismólogo, foram alguns percalços pelos quais teve de passar. Inclusive de buscar em outros lugares, nas grandes capitais como São Paulo e Brasília, o que lhe faltava na região: oportunidades de emprego e estabilidade.

 

Riqueza pra quem?

De acordo com o censo demográfico 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o êxodo rural caiu pela metade no país. Entre 2000 e 2010, a taxa de êxodo rural foi de 17,6%, um número bem menor do que o da década anterior: 25,1%. Foi uma mudança e tanto! Mas em uma década, muita coisa pode acontecer. E teremos atualização desses números somente no ano que vem. Mas a realidade é que na área rural de qualquer estado ainda há uma grande força de movimento em busca das grandes áreas urbanas como sinônimo de desenvolvimento e sucesso. “É lá que mora o dinheiro”, dizem. Não é?

Nessa busca de estabilidade, Leidson, nascido e criado em Itacarambi, no interior de Minas Gerais, foi atrás de uma oportunidade em São Paulo, depois de ter voltado há poucos meses de outro trabalho temporário em Brasília. Era uma grande obra, a construção do Auditório do Ibirapuera, que ainda levava a honraria de ter sido concebido nos anos 50 pelo arquiteto Oscar Niemeyer – mas só foi inaugurado em 2005.

Leidson foi com amigos para ser ajudante de construção civil. Mas foi em meio a loucura de São Paulo, do estresse e das humilhações que passou durante esse período que ele percebeu a riqueza de sua cidade natal. E riqueza não apenas pelo lado romântico da coisa, mas pelas oportunidades profissionais que poderiam ser geradas na região.

“De tudo isso, uma das principais lições que eu tirei foi a questão do aprendizado e a questão das oportunidades: não ia mais enxergar a minha região como pobre, pelo contrário, é uma região muito rica e tem muita coisa pra ser desenvolvida. E oportunidade a gente também cria, sabe? Antes me via como não tendo oportunidade e tal. Hoje eu vejo diferente. Eu acho que a gente pode criar as nossas próprias oportunidades e voltei pra contribuir de alguma forma com tudo isso”, conta.

 

O caminho ambiental

Ao voltar para Itacarambi, no final de 2004, Leidson retomou as atividades no Espeleogrupo Vale do Peruaçu (EPV), o qual fazia estudos em cavernas e até realizou estudos preliminares pra plano de manejo de algumas unidades de conservação da região. No período ele também ficou prestando vestibulares até que entrou para o curso de turismo em 2006.

Ao longo do curso, conta que aproveitou todas as oportunidades para se especializar – como curso de extensão e outras atividades – e criar uma rede de contatos. Já em 2009, ao final dos estudos preliminares para plano de manejo, foi convidado a trabalhar como monitor ambiental no Parque Estadual do Verde Grande, também em Minas Gerais, na divisa com a Bahia. Até poucos meses atrás, seguiu na monitoria ambiental, tendo atuado por um período como gestor interino de Unidades de Conservação pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF).

Aqui, Leidson durante o curso de Instrutor de Brigada que participou em 2018 pelo IEF.

Em paralelo, desde 2012 segue com o seu sonho de empreender uma agência pioneira em ecoturismo no norte de Minas Gerais, a Roteiros do Velho Chico (RVC). Leidson dá luz ao seu povo, sua região, à cultura. Oferece roteiros pelo Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, que viu abrir ao público em 2015. Nos leva pra mergulhar no Velho Chico e conhecer os queridos Seu João, Dona Val, Dona Rosa e Seu Antônio, do tradicional povo vazanteiro lá da llha do Jenipapo. E tem planos de expandir seus roteiros para mais comunidades.

Leidson literalmente com a mão na massa em 2012, ajudando a criar a trilha do atrativo do Recanto do Poço Verde, que hoje faz parte do roteiro Caminhos da Serra da RVC.

 

O principal objetivo é fazer a própria população local entender o quanto ela tem valor, o quanto produzem, como se alimenta. As histórias que têm pra contar e seu modo de vida são enriquecedores para os visitantes, pra quem valoriza a cultura e a natureza, pra quem dá mais valor às experiências, à natureza e às relações do que ao luxo.

E se você chegou até aqui é sinal de que está dando certo!

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